APONTAMENTOS SOBRE A PEDAGOGIA DO EXAME | FICHAMENTO
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 22. ed. São Paulo: Cortez, 2011
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AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR: APONTAMENTOS SOBRE A PEDAGOGIA DO EXAME
“Durante o ano letivo, as notas vão sendo observadas, médias vão sendo obtidas. O que predomina é a nota: não importa como elas foram obtidas nem por quais caminhos. São operadas e manipuladas como se nada tivessem a ver com o percurso ativo do processo de aprendizagem.” (p. 36)
Este capítulo é dedicado a entender o que é a “pedagogia do exame” e quais são seus impactos. Este tipo de pedagogia é tão forte que atinge todos os setores da sociedade, que passam a focar na aprovação ou reprovação nos estudos. Os pais anseiam pelo avanço medido pela nota, ao mesmo tempo que eles são usados como instrumento de ameaças para estimular os estudantes.
A busca desenfreada pela promoção, pela validação em torno da nota é quem monopoliza a atenção dos educandos. Se esforçam para obter as médias e não para aprender. A ditadura da nota como requisito para a aprovação é tão cruel, que monopoliza a dedicação de todos, já que
“Pais, sistema de ensino, profissionais da educação, professores e alunos, todos têm suas atenções centradas na promoção, ou não, do estudante de um série para a outra.” (p. 36)
Assim, as provas como principais geradoras das notas, são usadas como instrumentos de ameaça e tortura, sendo deste modo um fator negativo de motivação na medida em que o estudo está impulsionado pelo medo.
Nas reuniões de pais e mestres todas as expectativas estão voltadas para a nota. O objetivo dos estudantes e seus responsáveis é ter acesso ao tão sagrado boletim, que irá validar sua trajetória na escola. A aprendizagem fica em segundo plano.
Luckesi fala do próprio formato destas reuniões, sempre atropeladas onde um único professor tem de atender uma sala inteira de pais e responsáveis, fazendo com que não haja tempo hábil para debater questões voltadas ao aprendizado e ao desenvolvimento. É só para passar as notas e pronto!
Os resultados das provas são o centro das preocupações das unidades escolares. Presas as estatísticas, onde a leitura das curvas e dados é quase sempre ingênua, elas se dão por satisfeitas com o desenvolvimento global e nas porcentagem de promoção alcançada. Tal pensamento acaba servindo ao controle social e dos próprios sistemas de ensino. Logo,
“[...] se uma instituição escolar inicia um trabalho efetivamente significativo do ponto de vista de um ensino e de uma correspondente aprendizagem significativa, social e politicamente, o sistema ‘coloca o olho’ em cima dela. Pode ser que essa instituição, com tal qualidade de trabalho, esteja preparando o caminho de ruptura com a ‘normalidade’.” (p. 38)
A própria comunidade escolar passa a questionar uma escola que tenta romper com os tradicionalismos. Não considera “ensino” nada que não tenha a ver com a leitura e escrita e o único conhecimento valorizado por ela é aquele que se manifesta na forma acadêmica.
Para inibir o surgimento deste tipo de escola, os sistemas de ensino se utilizam de exames externos e, por meio dos resultados deles, pagam bônus aos trabalhadores da educação, redirecionam as verbas e até promovem inquéritos administrativos juntos aos dirigentes "rebeldes".
Neste sistema, as provas são verdadeiros testes e não instrumento para avaliar o aprendizado e o processo de ensino. Os pontos são distribuídos ao arrepio do conteúdo estudado e quase sempre estão ligados a compromissos e metas atingidas. A avaliação, então, acaba sendo um instrumento de disciplinamento quando aliada ao medo que ela impõe.
A origem desta prática, segundo Luckesi, está em três fatores. O primeiro deles é a pedagogia praticada pelos jesuítas no Brasil, onde todo o rigor estava focado na busca pela eficiência e o momento da prova era tratado com solenidade; o segundo é a pedagogia comeniana, que propunha uma educação centrada no professor, via nos exames um incentivo para o trabalho intelectual e fazia uso do medo para manter a atenção dos educandos; o terceiro fator é a sociedade burguesa, onde a pedagogia tradicional se criou promovendo a seletividade escolar por meio da formação de personalidades adequadas ao sistema.
Luckesi fala da avaliação como uma espécie de fetiche na medida em que,
“As provas e exames são realizados conforme o interesse do professor ou do sistema de ensino. Nem sempre se leva em consideração o que foi ensinado. Mais importante do que ser uma oportunidade de aprendizagem significativa, a avaliação tem sido uma oportunidade de prova de resistência do aluno aos ataques do professor.” (p. 41)
A adoração pela nota, produtora da média, se torna a fonte de poder do professor junto aos seus educandos e as notas tidas como “ideais” se tornam objeto de cobiça dos estudantes e suas famílias. Ela precisa ser obtida a qualquer custo, ou o estudo e o investimento de tempo (e muitas vezes financeiro) não terá valido a pena.
Fica fácil, com essa mentalidade, controlar os estudantes. É a forma mais eficaz de colocar um freio às atitudes tidas como indesejáveis pelo sistema. A imposição do medo, que submete e molda a criança, que provoca tensão e estresse constante, é movido pelo castigo. Antigamente eles eram físicos, mas hoje eles são psicológicos. Antecipar a ameaça é bem mais interessante ao praticante da pedagogia do exame, pois
“A ameaça é um castigo psicológico que possui duração prolongada, na medida em que o sujeito poderá passar tempos ou até a vida toda sem vir a ser castigado, mas tem sobre sua cabeça a permanente ameaça.” (p. 42)
Para finalizar, Luckesi aponta três categorias de consequências: as pedagógicas, já que a atenção da atividade de ensinar está centralizada nas provas e exames, não cumprindo a função de favorecer a aprendizagem; as psicológicas, sendo que o estudante acaba sendo vítima da autocensura e o autocontrole; e as sociológicas com a seletividade social. Segundo o autor,
“No caso, a avaliação está muito mais articulada com a reprovação do que com a aprovação e daí vem a sua contribuição para a seletividade social, que já existe independente dela. A seletividade social já está posta: a avaliação colabora com a correnteza, acrescentando mais um ‘fio d’água’.” (p. 44)
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