A URBANIZAÇÃO BRASILEIRA - PARTE 12 | FICHAMENTO
TEXTO ANTERIOR: A ORGANIZAÇÃO INTERNA DAS CIDADES: A CIDADE CAÓTICA
SANTOS, Milton. A URBANIZAÇÃO BRASILEIRA. 5. ed. São Paulo: Edusp, 2013.
A URBANIZAÇÃO E A CIDADE CORPORATIVAS
“No Brasil moderno pós-1964, conjugam-se, como a mão e a luva, as exigências de inserção em nova ordem econômica mundial que se desenha e as necessidades internas de um Estado autoritário.” (p. 109)
A implantação do capitalismo moderno no Brasil e sua inserção no contexto da globalização se deram de forma concentrada. Na década de 1970, 85% das empresas estavam situadas na região Sudeste, sob o controle de grandes firmas que eliminaram a concorrência e monopolizaram diversos setores.
Com forte domínio sobre o território, as multinacionais respondiam por 22,6% da produção industrial, 17% dos empregos no setor e 35% de toda a receita fiscal ao longo da década de 1980, impondo novos padrões às cidades brasileiras. Para o autor, esse controle por parte das grandes empresas se dá porque,
“Elas representam o capitalismo corporativo ou monopolista, e se apoderaram das posições de liderança - através de mecanismos financeiros, por associação com sócios locais, por corrupção, pressão ou outros meios - ocupadas anteriormente pelas empresas nativas e por seus ‘policy-makers’” (p. 112)
Assim, as grandes corporações conseguiram unificar o mercado brasileiro, concentrando a economia, ampliando o seu poder de mercado e integrando o território à mercê de seus interesses hegemônicos. Antes disso, o espaço, definido por Santos como concorrencial, via suas demandas atendidas pelo orçamento público, com prioridade para o equipamento social e menor demanda de investimentos para as atividades econômicas
Na era do capital monopolista, por sua vez, o capital hegemônico passa ao controle das empresas, que passaram a consumir cada vez mais recurso público a fim de custear uma infraestrutura cada vez mais cara e densa, para atender às necessidades de produção e circulação. Tal mudança estava apoiada em expectativas de desenvolvimento econômico e modernização, já que,
“A ideologia desenvolvimentista dos anos de 1950 e a posterior ideologia do crescimento e do Brasil-potência justificavam e legitimavam a orientação do gasto público em benefício de grandes empresas, cujo desempenho permitiria ao Brasil aumentar suas exportações para poder equipar-se mais depressa e melhor…” (p. 113)
Para que tal objetivo fosse alcançado, os recursos públicos, antes gerenciados em sua maior parte pelo poder local, são centralizados no Governo Federal, obrigando os municípios a priorizarem investimentos para as atividades econômicas visando aumentar a arrecadação para o orçamento local. A ditadura do período foi fundamental para que a nova gestão dos investimentos fosse empurrada goela abaixo da população, frustrada com a redução dos gastos sociais em favor dos interesses do capital.
Essa modernização apoiada na ideologia do crescimento, que colocou em segundo plano a população e as empresas menores e de alcance local, teve como características indispensáveis ao sucesso do sistema a geração de riqueza concentrada, a propagação da pobreza e o surgimento de novas classes médias.
Moldando e reorganizando o espaço, essas multinacionais promoveram as distorções em benefício dos próprios interesses, difundindo tecnologias de escala global impondo transformações estruturais sob o território, de forma que,
“Em toda parte, no Terceiro Mundo, a modernização contemporânea inclui uma produção extrovertida, o triunfo do consumo dirigido e desculturalizante, a despolitização da política e o desmaio da cidadania, com a instalação de regimes fortes, frequentemente militares, indispensáveis ao financiamento da nova ordem produtiva, com imposição de enormes sacrifícios às populações envolvidas.” (p. 116)
Milton Santos define o “milagre econômico”, do regime militar, como uma evolução negativa, já que promoveu o crescimento da classe média junto com a extrema pobreza e um desenvolvimento material em detrimento do social.
Surge a cidade corporativa, cujo crescimento e existência estão condicionados à operação das grandes empresas, buscando atender, em primeiro lugar, suas necessidades de produção, circulação e consumo, reformulando as áreas urbanas.
Para isso, essas grandes corporações se apropriaram do trabalho coletivo e atuaram para sufocar ou incorporar as empresas menores para monopolizar o mercado e os equipamentos do território. O sucesso dessa empreitada só foi possível diante da participação e colaboração do Estado, influenciado por essas mesmas empresas. Segundo Milton Santos,
“Há, de um lado, premeditada escolha das infraestruturas a instalar e de sua localização, com a criação de equipamentos do interesse específico de certas atividades. De outro lado, tomam-se disposições para facilitar o intercâmbio internacional e interno, mediante incentivos tanto genéricos como particulares a cada caso, que vão desde as tarifas de favor nos Correios e Telecomunicações, ao estabelecimento de linhas de crédito.” (p. 118)
Dessa forma, a modernização do território brasileiro se deu a serviço do interesse global, sob financiamento do capital nacional e estrangeiro, entregando o país ao endividamento público e externo. Essa lógica sobre o desenvolvimento e a modernidade age junto ao sistema econômico para transformar o território, sendo imposta aos detentores do poder e efetivada pelo aparato estatal, graças a atuação das corporações, organizadas em grupos fechados, praticando lobbies junto aos dirigentes e promovendo discursos e alianças.
As cidades passaram a ser definidas pela modalidade das combinações entre as atividades hegemônicas, pelo desenvolvimento regional e para sua participação na divisão territorial do trabalho. Em todas elas foram impostas severas contradições, que opõem diversas partes da cidade, prevalecendo os aspectos corporativos acima dos interesses da população. Assim,
“A produção recente de uma classe média mais preocupada com as práticas que com as finalidades, fenômeno precipuamente urbano, é também um dos dados dessa mentalidade corporativista. As próprias classes inferiores são vítimas desse estado de espírito, em sua qualidade de vítima das exigências de um consumo ainda não satisfeito, senão marginalmente.” (p. 121)
O próprio poder público atua para a criação de escassez ao incentivar a produção de espaços vazios na cidade. Esse processo obriga os pobres a ir para a periferia, onde são vitimados pelos custos do transporte para chegar ao trabalho cada vez mais distante de suas moradias, além de ter de pagar mais caro pelos serviços essenciais.
As melhorias promovidas nas áreas mais pobres buscam atender aos interesses da especulação imobiliária, já que o objetivo é apenas valorizar os terrenos, atraindo a classe média, ampliando o custo de vida e empurrando os pobres para ainda mais longe. A planificação do espaço urbano se dá de forma predominantemente técnica e voltada ao crescimento econômico ignorando a problemática global da moradia e o interesse das minorias.
Santos fala de uma novo recorte espacial, levando a uma nova regionalização, formando áreas contínuas caracterizadas pela homogeneização ou combinação de atividades sobre determinada fração do espaço, onde as técnicas predominantes estão ligadas direta ou indiretamente à produção num recorte horizontal.
Esse novo recorte também cria espaços interligados, servindo como pontos de apoio à produção corporativa, relacionados à comercialização, informação, controle e regulamentação num recorte vertical, com as tarefas políticas como base da regulação da produção e do território. Santos finaliza ao dizer que,
“Nesse sentido, diremos que a região deixa de ser produto de solidariedade orgânica localmente tecida para tornar-se resultado de solidariedade organizacional.” (p. 127)
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