O DEUS DOS OPRIMIDOS | FICHAMENTO
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O DEUS DOS OPRIMIDOS
ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo: Abril Cultural/Brasiliense, 1984
“A fraqueza do povo crescia na medida em que se avolumava o poder dos exércitos [...]. Os camponeses, pobres, tinham de vender suas propriedades, que eram transformadas em latifúndios por um pequeno grupo de capitalistas urbanos. É de tal situação que surgem os profetas como porta-vozes dos desgraçados da terra.” (pp. 103-104)
Os profetas eram lideranças religiosas populares dedicadas às questões presentes. Eles apareceram com intuito de dar esperanças e de criticar o tratamento dado aos pobres pelos poderosos de seu tempo. Diferentemente do que diz o imaginário popular, que os colocam como seres mágicos capazes de enxergar o que vai acontecer, os profetas em suas práticas demonstravam pouca preocupação com o que nós consideramos pertencente ao sagrado.
"Em geral as pessoas pensam que profetas são videntes dotados de poderes especiais para prever o futuro, sem muito o que dizer sobre o aqui e o agora. Nada mais distante da vocação do profeta hebreu, que se dedicava, com paixão sem paralelo, a ver, compreender, anunciar e denunciar o que ocorria no presente." (p. 102)
Neste contexto, os profetas teciam pesadas críticas à classe sacerdotal e às práticas hegemônicas de sua época. Sua pregação se dava no sentido político a fim de denunciar questões sociais ligadas aos novos arranjos de poder do período, já que,
"O Estado crescia cada vez mais, tornando-se centralizado nas mãos de uns poucos. E, como sempre acontece, quando o poder de uns aumenta, o poder de outros diminui. As pequenas comunidades rurais, que em outras épocas haviam sido o centro da vida do povo hebreu, se enfraqueciam em decorrência dos pesados impostos que sobre elas recaíam." (p. 103)
Logo, os profetas eram porta-vozes dos mais pobres, fundando uma nova religião de natureza ética e política, acusando a religião oficial e hegemônica de falsidade, mera fantasia para enganar os fracos, trabalhando para a manutenção da ordem vigente. E
"[...] em oposição a esta falta religião que sacralizava o presente eles teceram, com as dores, tristezas e esperanças do povo, visões de uma terra sem males, uma utopia, o Reino de Deus, em que as armas seriam transformadas em arados, a harmonia com a natureza seria restabelecida, os lugares secos e desolados se converteriam em mananciais de águas, os poderosos seriam destronados e a terra devolvida, como herança, aos mansos, fracos, pobres e oprimido." (p. 105)
A religião dominante, então, era manipulada pelos poderosos, o que caracterizou uma dualidade entre os objetivos da religião. Se por um lado o Deus dos hegemônicos prezava pela justificação dos novos arranjos de poder e sua permanência, por outro, o Deus dos oprimidos trazia as boas novas de um mundo melhor e mais justo. A visão dos oprimidos, no entanto, foi deturpada pela chamada história oficial. Sobre a história dos mais fracos, Alves questionou:
"Quem preservaria suas memórias? Quem acolheria suas denúncias? Quem registraria suas queixas? Não se pode esperar tanta generosidade dos vencedores. São os fortes que escrevem a história e esta é a razão por que não se encontram ali as razões dos derrotados." (p. 106)
O fato é que, no final, a história foi escrita pelos vencedores, pelos opressores. Mas os oprimidos não foram totalmente silenciados. A reconstrução da visão profética da religião como instrumento de libertação dos mais fracos ganhou corpo com o desenvolvimento da ciência histórica, que recuperou e deu novas interpretações aos fragmentos do passado.
Essa mesma ciência histórica nos permitiu identificar os revolucionários do passado e suas pregações em prol dos pobres. Isso só foi possível graças à interpretação dos registros deixados pelos próprios opressores, na medida em que,
"Aquilo que os opressores denunciavam nos oprimidos não é a verdade dos oprimidos, mas aquilo que os opressores temem. Assim, quando as versões oficiais, justificadoras dos massacres dos movimentos camponeses, os descreviam como fanáticos, lunáticos, anárquicos, revela-se em que medida os trabalhadores da enxada e pé no chão questionavam a ordem de dominação." (p. 108)
O surgimento da sociologia também colaborou para a melhor compreensão da atuação dos profetas. É através dela que pudemos identificar como nossa mentalidade é moldada e condicionada pela sociedade em que vivemos. Dessa forma, é possível perceber a existência da dualidade entre o pensamento dos poderosos, que defendem a permanência, e o pensamento dos oprimidos, que querem a ruptura. Alves reforça essa visão ao escrever que,
"os sonhos dos poderosos eternizam o presente e exorcizam um futuro novo; os sonhos dos oprimidos exigem a dissolução do presente para que o futuro seja a realização do Reino de Deus, não importa o nome que se lhe dê." (p. 111)
A ação dos profetas contraria a visão de Karl Marx, de que a religião servia apenas para enganar, condicionar e conformar as pessoas em seu sofrimento, se constituindo assim como o ópio do povo. Karl Mannheim, por sua vez, via a política como resultado da capacidade humana de imaginar, orientando a busca dos oprimidos por uma sociedade que ainda não existia.
"Foi isto que ocorreu com os camponeses anabatistas do século XVI. Movidos por um profundo fervor religioso, iniciaram um movimento revolucionário para a construção de uma nova ordem social, de acordo com a vontade de Deus." (p. 112)
Mesmo assim, o autor chama a atenção para um problema fundamental em relação a tudo que foi explanado até aqui. Raramente vemos os pobres da atualidade envolvidos com a religião dos oprimidos. Ao invés disso, o que se espera é apenas que dos profetas surjam magias e milagres. Os excluídos de hoje, por condicionamento, acreditam que os problemas sociais advém da vontade de Deus e que a recompensa estaria apenas no pós morte, negligenciando a busca de justiça social em vida.
Alves questiona se há possibilidades de os oprimidos tomarem ciência da sua própria força e em que momento eles buscarão uma realidade melhor. Mesmo com esses problemas, líderes com discursos religiosos se tornaram mártires. Tal situação corrobora com o poder da religião dos oprimidos, já que, do contrário, esses profetas não seriam combatidos. Sobre isso, Alves aponta para,
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