APOLOGIA DA HISTÓRIA - PARTE 12 | FICHAMENTO
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4.3 A NOMENCLATURA
“Seria então pouca coisa limitar-se a discernir em um homem ou uma sociedade os principais aspectos de sua atividade. [...] É preciso distinguir as diversas instituições que compõem um sistema político, as diversas crenças, práticas, emoções de que é feita uma religião. É preciso, em cada uma dessas peças e nos próprios conjuntos, caracterizar os traços que ora os aproximam, ora os desviam das realidades de mesma ordem.... Problema de classificação inseparável, na prática, do problema fundamental da nomenclatura.” (p. 135)
Um elemento importante no trabalho do historiador é o uso da linguagem, permitindo delinear os fatos de forma mais precisa, adaptando as descobertas e livrando o estudo de flutuações ou equívocos. Mesmo assim, a linguagem se constitui em uma dificuldade para os historiadores, já que diferentemente de outras disciplinas, a história não possui uma específica.
Em seus estudos, os historiadores recebem o vocabulário das próprias fontes e a dificuldade se dá, principalmente, porque a linguagem muda conforme o tipo de testemunho e o tempo em que ele foi produzido. Os documentos, portanto, impõem sua nomenclatura, caracterizada por sua época, devendo ser absorvida e utilizada pelo historiador. Bloch exemplifica essa condição ao escrever que,
"quando falamos de patrícios, um contemporâneo do velho Catão nos teria compreendido; o autor, em contrapartida, que evoca o papel da ‘burguesia’ nas crises do Império Romano, como traduziria em latim o nome e a ideia? Assim, duas orientações distintas compartilham, quase necessariamente, a linguagem da história." (p. 136)
O tradicionalismo adotou como procedimento natural reproduzir as terminologias do passado, trazendo dificuldades para sua aplicação e ignorando as mudanças no tempo. Tal prática reflete a pobreza de inventividade ao não considerar os novos usos e significados com o tempo. Nessa transformação lenta ao olhar humano, a evolução da linguagem faz com que algumas palavras desapareçam sem, no entanto, afetar os objetos ao quais designavam. Isso fica claro, por exemplo,
"Ao constatar o desaparecimento, nas línguas romanas, do verbo latino emere e sua substituição por outros verbos, de origem bastante diferentes [...], um erudito, antes, acreditou poder tirar daí as conclusões mais amplas, as mais engenhosas, sobre as transformações que, nas sociedades herdeiras de Roma, teriam afetado o regime das trocas. O que não teria se perguntado caso esse fato indiscutível pudesse ser tratado como um isolado." (pp. 137-138)
A história carece de um sistema de símbolos universais e independentes da língua nacional. Essa ausência obriga o historiador a falar unicamente com as palavras. Nesse contexto, traduzir realidades expressas em línguas estrangeiras, mortas ou vivas, se constitui em um grande desafio, tendo que ir além da superficialidade, evitar a reprodução mecânica e interpretar os rótulos. Bloch exemplifica essa situação:
"Numerosas sociedades praticaram o que podemos chamar de um bilinguismo hierárquico. Duas línguas enfrentavam-se, uma popular, outra culta. O que se pensava e se dizia correntemente na primeira escrevia-se, exclusivamente ou preferencialmente, na segunda. [...] Assim, os Evangelhos relataram em grego, que era então a grande língua de cultura do Oriente, frases que é preciso supor ditas em aramaico pelas pessoas." (p. 139-140)
Essa condição caracteriza o dualismo da linguagem, demandando uma análise combinada de fontes, além de exigir a identificação da correspondência dos termos em línguas diferentes. Esse dualismo também revela contrastes comuns nas sociedades, caracterizando expressões particulares de determinados grupos.
Há uma diferença na escrita do escrivão e a realidade, fazendo com a segunda, sem registros, se torne quase impossível de se obter. Isso se faz presente, sobretudo em sociedades atuais e antigas, onde os registros são enquadrados e adaptados, resultando nos documentos que chegam nas mãos dos historiadores.
O vocabulário dos documentos é apenas um dos muitos testemunhos, revelando-se imperfeitos e sujeitos à crítica. Esse mesmo vocabulário se constitui em instrumento de conhecimento quando confrontado com o ambiente de sua época e de seu autor. Bloch escreve que
"A unção real, no século XII, era naturalmente tratada como sacramento; afirmação certamente repleta de significação, apesar de desprovida, naquela data, do valor singularmente mais forte que lhe atribuiria, atualmente, uma teologia mais rígida em suas definições e, portanto, seu léxico. O advento do nome é sempre um grande fato, mesmo se a coisa o havia precedido; pois marca a etapa decisiva da tomada de consciência." (p. 142)
O uso dos nomes, então, reflete as diferentes influências do meio e demanda a necessidade de interpretação e explicação, indo além da simples tradução.
As estruturas de classificação são fornecidas por todo um léxico oferecido, constituindo generalidades superiores à uma época específica, sendo ele retocado por sucessivas gerações de historiadores. Essa estrutura está sujeita à variedade de origens e desvio de sentidos, o que, segundo Bloch, não representa um incômodo já que, tem maior valor a palavra pelo seu uso e não pela sua etimologia. Isso fica claro na seguinte citação da obra:
"Se capitalismo, mesmo em suas aplicações mais amplas, está longe de se estender a todos os regimes econômicos em que o capital dos emprestadores de dinheiro desempenha um papel, se feudal serve correntemente para caracterizar sociedades cujo feudo não foi certamente o traço mais significativo, não há nada aí que se contradiga a universal prática de todas as ciências, obrigadas, a partir do momento em que não se contentam mais com meros símbolos algébricos, a beber no vocabulário misturado da vida cotidiana." (p. 143)
Nas classificações cronológicas, é natural e corrente entre os historiadores o uso dos séculos, sendo estes puramente matemáticos. A tradição adota, então, uma cronologia sequencial, ignorando as similaridades do tempo. Os limites impostos ao estudo dos fenômenos no tempo, fruto da solicitação de seus próprios períodos, nos entrega à sedução das divisões feitas pelos regimes políticos, construindo um recorte que não se adequa à natureza do fenômeno considerado. Nesse contexto, Bloch afirma que
"As transformações da estrutura social, da economia, das crenças, do comportamento mental não seriam capazes, sem um desagradável artifício, de se dobrar a uma cronometragem muito rígida. Quando escrevo que uma modificação extremamente profunda da economia ocidental, marcada ao mesmo tempo pelas primeiras importações maciças de trigos exóticos e pelo primeiro grande desabrochar das indústrias alemãs e americanas, produziu-se entre cerca de 1875 e 1885, uso da única aproximação que esse gênero de fatos autoriza." (pp. 150-151)
E ele finaliza:
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