APOLOGIA DA HISTÓRIA - PARTE 10 | FICHAMENTO

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BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício de historiador. Tradução, André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

3.3 TENTATIVA DE UMA LÓGICA DO MÉTODO CRÍTICO

“A crítica do testemunho, que trabalha sobre realidades psíquicas, permanecerá sempre uma arte de sensibilidade. Não existe, para ela, nenhum livro de receitas. Mas é também uma arte racional, que repousa na prática metódica de algumas grandes operações do espírito. Tem, em suma, sua dialética própria, que convém deduzir.” (p. 109)

Para que se possa autenticar um documento em sua veracidade se faz necessário que o mesmo esteja inserido em uma ordem cronológica ou em sincronia com algum conjunto de fontes. Ao confrontar um vestígio isolado com outros documentos contemporâneos e relativos a ele, podemos ressaltar as semelhanças e diferenças, expondo as contradições entre as fontes, possibilitando a verificação de relatos controversos ou suspeitos.

Ouvir os dois lados de uma história também é fundamental para que o documento seja validado, já que um lado pode acabar desmentindo o outro, levando à necessidade de consultar fontes complementares a fim de diferenciar um fato verdadeiro de uma bravata. Nada disso, no entanto, é possível se o historiador não conhecer a natureza da fonte com a qual ele está trabalhando e da época em que ela foi produzida. Bloch exemplifica a importância de se atentar aos detalhes ao escrever que

"Um documento, que se diz do século XIII, está escrito sobre papel, ao passo que todos os originais dessa época até agora encontrados o são sobre pergaminho; a forma das letras aparece aí bem diferente do desenho observado em outros documentos da mesma data; a língua abunda em palavras e figuras de estilo estranhas a seu uso unânime." (p. 110)

Dessa forma, a análise das fontes deve considerar as práticas comuns de sua época, requer o conhecimento prévio da sociedade em análise e precisa valorizar os detalhes da produção histórica. É fundamental desconfiar de semelhanças exageradas, prevendo a natureza dos discursos da época possibilitando reconhecer os plágios na história. 

"Assim, a crítica move-se entre esses dois extremos: a similitude que justifica e a que desacredita. [...] estimamos que haja no universo e na sociedade bastante uniformidade para excluir a eventualidade de desvios muito marcados. [...] Achamos que ela [, essa uniformidade,] supõe, de certo modo engloba, mal se penetra um pouco mais no real, um número de combinações possíveis muito próximo do infinito para que sua repetição espontânea seja concebível: para tal, é preciso um ato voluntário de imitação." (p. 112)

Os questionamentos sobre dois documentos requerem a busca das fontes em que eles beberam, permitindo assim identificar o original e a cópia. Na falta de apoio documental, se faz necessária a análise psicológica da fonte, feita com o auxílio das características internas do texto ou do objeto. Tal procedimento, que permite identificar as fraudes feitas pelos plagiadores, não se dá por meio de regras mecânicas e não pode ser aprendido nos manuais.

A crítica estatística, aliada ao raciocínio lógico, também é de suma importância na autenticação das fontes. Ela compara dados de uma mesma época sendo útil, sobretudo, para o estudo econômico, buscando encontrar adulterações possibilitando a identificação do mecanismo do erro. 

"Se portanto a concordância dos resultados, obtidos com ajuda de dados diferentes, os confirma uns pelos outros, é que na base a concordância nas negligências, nos mínimos enganos, nas mínimas complacências nos parece, a justo título, inconcebível. O que há de irredutivelmente diverso nos testemunhos levou a concluir que sua concordância final só pode advir de uma realidade cuja unidade essencial era, nesse caso, fora de dúvida." (p. 114)

É nesse contexto que o autor alerta para as falsas conclusões, que muitas vezes ocorrem quando o pesquisador força o resultado para comprovar sua tese, acredita na suficiência do que ele conhece, não aceita o inesperado e o incomum para uma determinada época, já rotula como inautêntico aquilo que foge à rotina e se deixa levar por um ceticismo prévio sobre o objeto de estudo. Bloch chama atenção para a probabilidade no estudo da História ao escrever:

"Para que a dúvida se torne instrumento de conhecimento, é preciso que, em cada caso particular, o grau de verossimilhança da combinação possa ser sopesado com alguma exatidão. Aqui, a pesquisa histórica, como tantas outras disciplinas do espírito, cruza seu caminho com a via régia da teoria das probabilidades." (p. 117)

Avaliar a probabilidade, então, permite estimar as chances de produção de um acontecimento. Bloch atenta para o problema de se aplicar a probabilidade ao passado, já que este é um dado certo e não mais provável. Ele explica, contudo, que não é contraditório utilizá-lo na pesquisa histórica, já que é possível analisar a probabilidade do fato ter ou não ocorrido, identificando as chances apresentadas antes do acontecimento, transformando essa probabilidade em fato futuro. Ela, porém, não deve ser aplicada a fatos certos e incontestáveis. Bloch exemplifica na seguinte afirmação:

"Toda uma escola de eruditos se dedicou, a partir do início do século XIX, a estudar a transmissão dos textos literários. O princípio é simples: sejam três manuscritos de uma mesma obra: B, C  e D. Constata-se que todos os três apresentam as mesmas lições, evidentemente errôneas [...]. Ou então, mais geralmente, extraímos daí as mesmas lições, boas ou más, mas diferentes em sua maioria em relação às de outros manuscritos [...]. Decidir-se-á que são ‘aparentados’. Entendam, conforme o caso, ou que foram copiados uns sobre os outros, segundo uma ordem que resta determinar, ou que remontam todos, por filiações particulares, a um modelo comum." (p. 119)

Por isso, Bloch viu o uso da certeza como resultado da probabilidade, que elimina o fato fisicamente impossível e, dosa o provável e o improvável escalonando a dúvida. A aceitação cega do testemunho era própria de uma época antiga e parte de um preceito comum e consolidado, resultado de uma crença pessoal. Nas ciências humanas a visão sobre as fontes deve ser mais abrangente, já que não se descartam as diferentes manifestações. é sobre isso que Bloch encerra o capítulo com a seguinte crítica:

"Em nossa época, mais que nunca exposta às toxinas da mentira e do falso rumor, que escândalo o método crítico não figurar nem no menor cantinho dos programas de ensino! Pois ele deixou de ser apenas o humilde auxiliar de alguns trabalhos de oficina. Doravante vê abrirem-se diante de si horizontes bem mais vastos: e a história tem o direito de contar entre suas glórias mais seguras ter assim, ao elaborar sua técnica, aberto aos homens um novo caminho rumo à verdade, e por conseguinte, àquilo que é justo." (p. 124)

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