APOLOGIA DA HISTÓRIA - PARTE 08 | FICHAMENTO

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BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício de historiador. Tradução, André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

3.1 ESBOÇO DE UMA HISTÓRIA DO MÉTODO CRÍTICO

“[...] há muito tempo estamos alertados no sentido de não aceitar cegamente todos os testemunhos históricos. Uma experiência, quase tão velha como a humanidade, nos ensinou que mais de um texto se diz de outra providência do que de fato é: nem todos os relatos são verídicos e os vestígios materiais, [eles] também, podem ser falsificados.” (p. 89)

Analisar criticamente os testemunhos e questionar as fontes é outra tarefa imprescindível ao trabalho do historiador. Isso permite ao pesquisador se desviar dos boatos e ir além do senso comum, carregado de generalizações, sujeitos às visões pessoais e fechado para o surpreendente, o inesperado.

Por isso, é de suma importância a dúvida levantada pelo historiador em relação aos testemunhos, exercendo assim uma função examinadora necessária para fundamentar a crítica ao documento. Por isso, a história deve se pautar na busca da realidade dos relatos na construção dos fatos ao invés da mera transmissão ou contação. Para exemplificar, Bloch escreveu que

"O jesuíta von Paperbroeck, ao qual a leitura das Vidas dos santos inspirara uma incoercível desconfiança em relação à herança da [alta] Idade Média inteira, considerava falsos os diplomas merovíngios preservados nos mosteiros. Não, responde em substância Mabillon; existem, incontestavelmente, diplomas inteiramente forjados, remanejados  ou interpolados; há também os autênticos; e eis como é possível distinguir uns dos outros." (p. 90)

Para Bloch, o método crítico aplicado à ciência foi fundado no século XVII, junto à doutrina que regra a pesquisa. Ele foi possibilitado pelo pensamento humanista que o precedeu e legitimou a dúvida sobre os documentos, distinguindo o histórico do mítico. A dúvida foi valorizada e disciplinada, além da palavra “crítica” adquirir um novo sentido: o de veracidade, diferenciação entre o verdadeiro e o falso.

Tal movimento foi favorecido também por uma geração de valorização da racionalidade, cujos membros nasceram ainda na primeira metade do século XVII, concomitantemente à célebre obra “O discurso do método”, de René Descartes. Bloch destaca que essa geração não era necessariamente cartesiana, mas ele explica:

"[...] para que uma filosofia impregne toda uma época, não é necessário nem que aja exatamente ao pé da letra, nem que a maioria dos espíritos sofra seus efeitos de outro modo que não por uma espécie de osmose, frequentemente [semi-]inconsciente. [...] [Assim como a ciência cartesiana,] ela [a crítica do testemunho histórico] procede a essa implacável inversão de todas as bases antigas apenas a fim de conseguir com isso novas certezas (ou grandes probabilidades), agora devidamente comprovadas." (p. 92)

A partir de então, a dúvida é recebida como instrumento para se alcançar o conhecimento, fixando as regras do método crítico. As gerações, no entanto, o utilizaram de forma generalizada, estendendo suas aplicações a todos os campos.

As técnicas da crítica foram praticadas apenas por alguns durante muito tempo, sendo negligenciada por muitos produtores de obras históricas, que as viam como excessivamente minuciosas. Além disso, esses pesquisadores temiam que a crítica pudessem produzir resultados e conclusões diferentes daquilo que eles esperavam. As técnicas da crítica eram evitadas, também, por atingirem fortemente os consagrados ensaios de interpretação, revelando neles a falta de veracidade, forçando uma renovação indesejável e obrigando a fuga da rotina acadêmica. Sobre isso, Bloch afirmou:

"Mas o próprio trabalho técnico não sofre menos. Não sendo mais guiado de cima, arrisca-se a se agarrar indefinidamente a problemas insignificantes ou mal-formulados. Não existe pior desperdício do que o da erudição quando gira no vazio, nem soberba mais deslocada do que o orgulho do instrumento que se toma por um fim em si." (p. 93)

No século XIX houve um esforço maior para aplicação do método crítico. Mas havia desafios como a ausência de escolha racional sobre os pontos de aplicação da pesquisa, a mantendo difícil e sofrida para o pesquisador diante dos percalços no estudo do ser humano. Por isso o método crítico não era plenamente exercido, com o estudo ainda sujeito aos manuais e a história pautada nos métodos tradicionais, produzindo um estudo ausente de seriedade. 

Bloch destaca então a presença de duas histórias no período, uma para o historiador erudito e outra para o leigo, trazendo a necessidade editorial de simplificar a escrita para a apreciação do público. Mesmo assim, as demandas próprias do método crítico e científico são inegociáveis. 

"[[...]fora dos livres jogos da fantasia, uma afirmação não tem o direito de ser produzida senão sob a condições de poder ser verificada; e] cabe ao historiador, no caso de usar um documento, indicar, o mais brevemente, sua proveniência, ou seja, o meio de encontrá-lo equivale, sem mais, a se submeter a uma regra universal de probidade." (pp. 94-95)

A validade das regras críticas é dada pela submissão dos documentos à verificação, dando aos testemunhos aquilo que lhes falta para conferir veracidade. Além disso, identificar os materiais em suas respectivas épocas e rastrear o caminho da fonte até a chegada dela  em suas mãos é essencial para dar credibilidade ao trabalho do pesquisador. Bloch resumiu esse tema da seguinte forma:

"[O historiador] Não se tornou, certamente, crédulo. Sabe que suas testemunhas podem se enganar ou mentir. Mas, antes de tudo, preocupa-se em fazê-las falar, para compreendê-las. É uma das marcas mais belas do método crítico ter sido capaz, sem em nada modificar seus primeiros princípios, de continuar a guiar a pesquisa nessa ampliação. [...]." (p. 96)

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