APOLOGIA DA HISTÓRIA - PARTE 06 | FICHAMENTO

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BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício de historiador. Tradução, André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

2.2 OS TESTEMUNHOS

“[...] as fórmulas dos papiros dos mortos eram destinadas a serem recitadas apenas pela alma em perigo e ouvidas tão somente pelos deuses; o homem das palafitas que, no lago vizinho onde o arqueólogo remexe atualmente, jogava fora os dejetos de sua cozinha, queria apenas poupar sujeira à sua cabana; a bula de isenção pontifical só era tão precavidamente preservada nos cofres do mosteiro a fim de ser, chegado o momento, brandida aos olhos de um bispo inoportuno.” (pp. 76-77)

A história é construída por meio de testemunhos. Alguns, como documentos oficiais, textos publicados e notícias sobre o momento, são voluntários e prestam grande auxílio ao pesquisador. Esse tipo de testemunho fornece ao historiador um enquadramento cronológico e permite a reconstrução mais confiável do passado. 

Isso, contudo, não elimina possíveis erros ou de mentiras, já que, apesar de não terem sido colocados com a intenção de enganar os futuros pesquisadores, os testemunhos necessitam de ser complementados com outros indícios e vestígios. Ao retratar a importância desses complementos aos testemunhos, Bloch afirmou que

"Sem seu socorro, com efeito, não veríamos inevitavelmente o historiador, a cada vez que se debruça sobre gerações desaparecidas, logo tornar-se prisioneiro dos preconceitos, das falsas prudências, das miopias de que a própria visão dessas gerações sofrera; por exemplo, o medievalista não dar senão pequena importância ao movimento comunal, sob pretexto de que os escritores da Idade Média não falavam muito dele a seu público, ou desdenhar os grandes elãs da vida religiosa, pela simples razão de que ocupam, na literatura narrativa da época, um lugar bem mais modesto do que as guerras dos barões; a história, em resumo [...], tornar-se menos exploradora, cada vez mais ousada, das épocas consumadas do que o eterno e imóvel aluno de suas ‘crônicas’." (pp. 77-78)

Outros testemunhos, porém, são involuntários. Eles podem ser ações do cotidiano, conteúdos exclusivos à uma prática específica e até mesmo documentos privados, escondidos. Eles exigiam do historiador a leitura do que está nas entrelinhas, daquilo que o passado não desejava expor. Bloch relata que esse tipo de testemunho não era o preferido dos pesquisadores em sua época.

Porém, ele ressalta que entre as necessidades da pesquisa histórica, está justamente a busca do testemunho que não tem a intenção de se revelar, além de reunir, ler e verificar a veracidade dos documentos, interrogando os testemunhos a fim de extrair mais daquele que demonstra pouco a dizer. Sobre isso, o autor atentou para a importância de flexibilizar a escolha das perguntas e a abertura historiador às surpresas diante do documento ao afirmar que,

"Com efeito, não nos deixemos enganar. Acontece, sem dúvida, de o questionário permanecer puramente instintivo. Entretanto ele está ali. Sem que o trabalhador tenha consciência disso, seus tópicos são ditados pelas afirmações ou hesitações que suas explicações anteriores inscreveram obscuramente em seu cérebro, através da tradição, do senso comum, isto é, muito frequentemente, dos preconceitos comuns. [...] Não há pior conselho a dar a um iniciante do que esperar [assim], numa atitude de aparente submissão, a inspiração do documento." (p. 79)

Essa nova proposição à pesquisa histórica busca eliminar a antiga visão da história como uma ciência inútil. Tal visão, também chamada de História Tradicional, estava assentada em uma prática ligada à mera leitura dos testemunhos voluntários, deixando de tratar de fenômenos consideráveis e de consequências importantes, sem buscar aquilo que não se deseja mostrar. Graças a ela, temas essenciais para a compreensão da história deixaram de gerar trabalhos sérios.

Bloch atentou, então, para a quase infinita diversidade de testemunhos ao considerar que tudo que envolve a vida do ser humano pode informar sobre ele, não existindo documento específico para emprego específico na pesquisa, devendo todos serem investigados pelo historiador. Sobre isso, o autor exemplifica:

"Que historiador das religiões se contentaria em compilar tratados de teologia ou coletâneas de hinos? Ele sabe muito bem que as imagens pintadas ou esculpidas nas paredes dos santuários, a disposição e os mobiliários dos túmulos têm tanto a lhe dizer sobre as crenças e as sensibilidades mortas quanto muitos escritos." (p. 80)

O manejo dos testemunhos, então, requer tipos opostos na análise de um problema e exige longo aprendizado e prática quase constante ao historiador. Ele tem de desenvolver técnicas para leitura dos documentos, ter a capacidade de interpretar nomes e lugares, além da habilidade de datar vestígios e analisar associações entre diferentes documentos. Para finalizar, segundo Bloch,

"[...] por maior que seja a variedade de conhecimentos que se queira proporcionar aos pesquisadores mais bem armados, [...] [as lacunas] [...] encontrarão sempre [...] seus limites. Nenhum remédio então senão substituir a multiplicidade de competências em um mesmo homem por uma aliança de técnicas praticadas por eruditos diferentes, mas [todas] voltadas para a elucidação de um tema único. Esse método supõe o consentimento no trabalho por equipes. Exige também a definição prévia, por comum acordo, de alguns grandes problemas predominantes. São êxitos de que nos encontramos ainda bastante distantes. Eles determinam, porém, [...] o futuro de nossa ciência."

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