APOLOGIA DA HISTÓRIA - PARTE 04 | FICHAMENTO

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BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício de historiador. Tradução, André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

1.5 PASSADO E PRESENTE

“O que é, com efeito, o presente? No infinito da duração, um ponto minúsculo e que foge incessantemente; um instante que mal nasce, morre. [...] Condenada a uma eterna transfiguração, uma pretensa ciência do presente se metamorfosearia a cada momento de seu ser, em passado.” (p. 60)

O presente é um traço momentâneo, considerado por muitos incapaz de ser estudado pela ciência. Diante de sua brevidade, o presente pode ser visto como passado recente, mesmo enfrentando dificuldades como a falta de precisão e o inconstante deslocamento entre ele e o passado.

Como uma fase de pequena extensão, o presente pode ser considerado um momento sem grandes transformações nos campos político, social e no que diz respeito aos hábitos e costumes, desde o seu ponto de partida até os dias atuais. Relativamente pouco distante no tempo para nós, o presente, como passado recente, não pode ser confundido com o restante do passado. Bloch exemplifica essa condição ao escrever que

"‘A partir de 1830, já é mais história’, dizia-nos um de nossos professores de liceu, que era [muito] velho quando eu era muito jovem: ‘é política’. Não diríamos mais hoje ‘a partir de 1830’ [...]. Muitos porém repetiriam de bom grado: a partir de 1914 ou 1940, não é mais história. Sem, aliás, entenderem-se muito bem sobre os motivos desse ostracismo." (p. 61)

O presente, até a época de Bloch, sempre foi negligenciado pela história por conta da dificuldade em separar o historiador do objeto pesquisado, com o perigo de envolver-se sentimentalmente com os fatos. Daí a pretensa necessidade do distanciamento temporal entre o fato e o historiador, deixando o presente para outras ciências como a economia, a sociologia e a política. Bloch, no entanto contesta essa visão ao pontuar que

"Os velhos historiadores gregos, um Heródoto, um Tucídides, mais próximos de nós, os verdadeiros mestres de nossos estudos, os ancestrais cujas imagens merecerão eternamente figurar na cella da corporação, jamais imaginaram que, para explicar a tarde, bastasse conhecer, no máximo, a manhã." (p. 62)

Essa divisão entre passado e presente no estudo da história era recente na época de Bloch, quando a história até então era rejeitada como estudo do presente. As grandes transformações recentes para seu tempo, como aquelas advindas das novas tecnologias e permitidas por um desenvolvimento acelerado na economia e na sociedade, distinguiram fortemente o antigo do atual e trouxe novas formas de pensar e novas visões de mundo. Sobre isso, Bloch escreveu:

"[...] no intervalo de uma ou de duas gerações, uma mudança não apenas muito rápida, mas também total: de modo que nenhuma instituição um pouco antiga, nenhuma maneira de se conduzir tradicional, teria escapado às revoluções do laboratório ou da fábrica. [...] O homem passa seu tempo a montar mecanismos dos quais permanece em seguida prisioneiro mais ou menos voluntário." (p. 63)

A falta de conhecimento histórico diante dos tempos atuais na época de Bloch provocou o maravilhamento pelo diferente e levou o Ocidente a julgar os modos de vida diferentes do seu, desejando-os trazê-los à modernidade.  Essa falta de conhecimento também resultou em uma compreensão prejudicada do presente e uma ideia simplista de determinismo histórico, onde a passagem das ideias de uma geração pra outra ocorreria sem transformações. 

"[Vejam, por exemplo, nossas aldeias.] Pelo fato de as condições do trabalho manterem ali, praticamente o dia inteiro, o pai e a mãe afastados dos filhos pequenos, estes são educados sobretudo pelos avós. A cada nova formação do espírito, portanto, dá-se um passo atrás que, por cima da geração [eminentemente] portadora de mudanças, liga os cérebros mais maleáveis aos mais cristalizados." (p. 64)

A transferência de conhecimentos intergeracionais, então, permite a continuidade de uma civilização. Tarefa essa mais facilitada pelos registros escritos, que conectam gerações cada vez mais distantes. Tal condição torna equivocada a ideia de que os fatos considerados eram desnecessários para compreensão do presente, ignorando-se os sobressaltos da evolução humana e esquecendo-se de abalos que podem reverberar por tempos muito mais distantes dos acontecimentos. Bloch deixa isso claro ao afirmar que

"Entre as coisas passadas, enfim, aquelas mesmas - crenças desaparecidas sem deixar o menor traço, formas sociais abortadas, técnicas mortas - que, parece, deixaram de comandar o presente, vamos considerá-las, por esse motivo, inúteis à sua compreensão? Seria esquecer que não existe conhecimento verdadeiro sem uma certa escala de comparação. Sob a condição, é verdade, de que a aproximação diga respeito a realidades ao mesmo tempo diversas e não obstante aparentadas." (p. 65)

As mudanças no ser humano são, em todos os aspectos, inevitáveis. Um fundo, no entanto, permanece em todas as sociedades, muitas vezes na inconsciência, requerendo o estudo que vá além das reações humanas, além das circunstâncias às quais as sociedades estavam expostas. Para Bloch, tal situação obriga o historiador a buscar sempre o menos aparente.

A incompreensão do presente, nascente da ignorância sobre o passado, não pode estar presente no trabalho do historiador. Este, para Bloch, deve se dedicar a apreender o que é vivo. Embora seu trabalho deve estar impregnado de suas experiências e impressões, o historiador pode ver no presente a compreensão do passado. Livre à ordem dos acontecimentos, cabe ao pesquisador partir do que se conhece para o que não se conhece. Bloch explica que

"Somos incomparavelmente menos informados sobre o século X de nossa era, por exemplo, do que sobre a época de César ou de Augusto. Na maioria dos casos, os períodos mais próximos não coincidem menos nesse aspecto com as zonas de clareza reativa. Acrescentem que, ao proceder, mecanicamente, de trás para frente, corre-se sempre o risco de perder tempo na busca das origens ou das causas de fenômenos que, à luz da experiência, irão revelar-se, talvez, imaginários." (p. 67)

Bloch considerou o termo “história” para melhor designar a ciência dos homens no tempo, sendo o mais compreensível e menos exclusivo, podendo se estender também ao conhecimento do presente, apesar dos velhos preconceitos daqueles que viam a história como ciência do passado ou dos fatos.

Finalizamos esta parte com a seguinte passagem do autor:

"Uma ciência, entretanto, não se define apenas por seu objeto. Seus limites podem ser fixados, também, pela natureza de seus métodos. Resta portanto nos perguntarmos se, segundo nos aproximemos ou afastemos do momento presente, as próprias técnicas da investigação não deveriam ser tidas por essencialmente diferentes. Isto é colocar o problema da observação histórica." (p. 68)

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